sexta-feira, 19 de julho de 2013

Esteja em paz, "Zampa"...

Marcus Zamponi o anjo pornográfico do automobilismo

Escrito por Sergio Quintaniha



MARCUS ZAMPONI era o Nelson Rodrigues do automobilismo nacional. Se observado pela
luz que ele mesmo jogava sobre sua figura, tendo como palco o automobilismo brasileiro e
como atores dezenas, centenas de pessoas ao redor das corridas de carro, Zampa era o
tarado sem escrúpulos, o larápio de supermercado e o fofoqueiro de figuras como Elizabeta, a
furiosa, cujo único mal era gostar de sexo, enquanto seus namorados cobiçavam motores.
Arrisco a dizer que Zampa foi uma das dez maiores figuras que o automobilismo brasileiro
produziu nos últimos quarenta anos – e não me refiro ao seu portentoso físico, mas à sua
argúcia, à sua imponência, à sua verve, à sua sensibilidade e, por que não?, à sua autoridade.


Por trás daquela majestosa figura, que intimidava pilotos e assustava focas de jornalismo,
escondia-se um sujeito dócil e acima de qualquer suspeita. Seus dedos mágicos mal
conseguiam acompanhar a mente brilhante, e Zampa decidiu que ele mesmo seria
protagonista de suas histórias impagáveis, se bem que não se dava conta de dar coerência à
sua obra – não se permitia ser Zampa em 100% dos seus textos. Mas, tal como Nelson,
Zampa colocava molho próprio em episódios insossos, pois, como o mestre, sabia que o
jornalismo precisa de umas boas mentiras para sobreviver.

Chocado você, leitor? Creio que não, pois que mal há em fazer do fato uma crônica atraente
aos olhos se a realidade nua e crua por vezes peca pela falta de “imaginação divina”?
Infelizmente, Zampa mentia pouco. Só o fazia em suas crônicas, mesmo assim colocando
pimenta onde já havia um salzinho. Zampa devia mentir de verdade, como gostava Nelson.
Só ele no Brasil podia ser assim. Devia inventar uns três ou quatro heróis e levar o público a In
terlagos
para ver as corridas. Escrever crônicas sobre os fatos do presente, e não apenas debruçar-se
sobre ocorrências do passado. Zampa tinha o dom, mas não o usava como devia.
Imagina uma mentira escrita pelo Lito Cavalcanti! Não cairia bem, pois o Lito é de outra
estirpe, é a enciclopédia, é o cara correto que elogia quem merece e mete o pau nos
incompetentes. Lito é regra, mas destaca-se porque o faz com talento ímpar, porque ser Lito
Cavalcanti é ser muito mais que a média. Zampa, não. Zampa era a exceção, o cara que
podia transformar um idiota em personagem de peso em sua crônica, ou fazer de qualquer Zé
Mané um candidato a Fittipaldi. Os pilotos sabiam disso, Zampa sabia que eles sabiam, e eles sabiam que Zampa sabia que eles sabiam. Todos acabavam se dando bem nessa história.
Não só pilotos, mas espertos de toda espécie. A diferença é que Zampa tinha a alma de um
colibri e os olhos de uma águia. Era puro até mesmo quando fingia não ser.
O Anjo Pornográfico do Automobilismo, é isso que ele era. 
Faltava-lhe, de Nelson Rodrigues, o tesão de ter um texto impecável, que ele tinha preguiça para tanto e os revisores que revisassem. Faltava-lhe, da mesma forma, a coragem de escrever crônicas de automobilismo fora do padrão, como se sobre o presente algo o impedisse de soltar o verbo como o fazia sobre passado. Talvez ele se sentisse levemente constrangido, pois tentavam lhe ensinar um jornalismo que não existe, relações públicas em letras impressas. Queriam roubar de Zampa sua capacidade de dizer cobras e lagartos, seu livre-pensar, sua forma soberba de se manifestar, enquanto fingiam que todos lucravam com essa forma ardilosa e nojenta incompetente de ser – todos menos o Zampa!
Infelizmente, por culpa de um câncer, o jornalista Marcus Zamponi não pode mais contar suas
verdades e mentiras na Racing.– sim, pois só ele estava autorizado a mentir, que suas
mentiras não faziam mal. Se eu pudesse, ainda diria a ele: — Minta, Zampa! Minta muito! Mas
minta de verdade, conte todas as mentiras que couber no dia-a-dia do automobilismo
brasileiro, faça corar de vergonha os medíocres e coloque em evidência os parcos heróis, pois esta é a única verdade verdadeira do nosso jornalismo. 

– S. QUINTANILHA
Texto adaptado de crônica publicada na revista Racing número 49, de 2000.

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